11/03/2019 – 05:00
Por Delphine Strauss
Os principais bancos centrais do mundo caminhavam, até dezembro, para o fim das políticas de estímulo econômico implementadas após a crise financeira mundial. Mas, em apenas poucas semanas, a política monetária global retrocedeu, com o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) colocando as taxas de juros em compasso de espera, e seus pares – do Banco da Inglaterra ao BC da Austrália – adotando também a mesma postura de moderação.
A decisão da semana passada do Banco Central Europeu (BCE), de fazer uma nova oferta de empréstimos baratos para os bancos da zona do euro e sinalizar que as taxas de juros permanecerão em patamares recordes de baixa por mais tempo, completou essa mudança de rumo na política monetária.
Mas conforme admitiu Mario Draghi, o presidente do BCE, os bancos centrais não podem resolver o problema fundamental: a “incerteza generalizada” que afetou a confiança e deixou os planejadores econômicos tateando no escuro.
Os bancos centrais estão fazendo o melhor que podem para responder à rápida degradação das perspectivas de crescimento global. Na semana passada, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu suas previsões de crescimento para quase todas as grandes economias, alertando que a expansão global está
perdendo fôlego como resultado da desaceleração da China, das incertezas políticas na Europa e do risco de novos conflitos comerciais.
Na sexta, dados mostraram que o crescimento do número de empregos nos EUA quase ficou estagnado em fevereiro, alimentando temores de que os sinais recentes de fraqueza na maior economia do mundo possam se transformar em uma desaceleração mais persistente. Dados chineses para o mesmo mês mostraram uma grande queda no comércio, com contração das exportações e importações.
Alguns economistas estão encorajados pela inesperada mudança de postura do BCE. Florian Hense, economista da Berenberg, disse que a mudança de posição dos bancos centrais foi “um dos grandes fatores que precisavam ser atendidos como condição para devolver a expansão da economia mundial de volta ao caminho certo”, acrescentando que o risco de uma política monetária excessivamente apertada pode agora ser “tirado da equação”.
Lydia Boussour, economista sênior da consultoria Oxford Economics para os EUA, diz: “A política monetária pode ser mais um colchão para o crescimento do que se pensava antes”. A postura moderada assumida pelo Fed em particular vem tendo um grande efeito sobre os mercados financeiros, com os investidores mudando suas expectativas quanto às altas dos juros e os preços das ações se recuperando das grandes quedas sofridas no fim do ano passado – embora os mercados de bônus contem uma história um pouco diferente. Entretanto, a ação precoce do BCE abalou os investidores porque ela sugere que os planejadores econômicos estão muito preocupados com os riscos externos.
Draghi adotou uma visão otimista sobre os acontecimentos domésticos, observando na quinta-feira que o crescimento nominal dos salários está aumentando, os mercados de trabalho estão melhorando e o consumo “de modo geral, está em boa forma”. O rebaixamento das expectativas do BCE para 2019 se deveu em grande parte à queda dos PIBs de Alemanha e Itália, mas as autoridades acreditam que o crescimento deverá avançar neste ano, com as perspectivas para 2020 permanecendo quase inalteradas.
Mas mesmo depois de um rebaixamento das expectativas e de ações políticas, o BCE alertou que os riscos ainda são de queda. Isso é muito incomum e deixou os mercados inquietos.
“Geralmente dizemos, quando adotamos algumas ações de política, que os riscos foram equilibrados”, afirmou Draghi. Mas agora, embora o BCE possa aumentar a resistência da zona do euro, ele está impotente para resolver os riscos geopolíticos representados pelos conflitos comerciais e um Brexit que possa provocar uma ruptura ou as incertezas da política italiana, que estão afetando os investimentos das empresas.
“Se políticos fazem coisas estúpidas que derrubam a tendência de crescimento, então os bancos centrais não podem fazer nada”, disse Erik Nielsen, economista-chefe do UniCredit. “Tudo o que eles podem fazer é aliviar um pouco a dor.”
Shweta Singh, economista da consultoria TS Lombard, disse que a mais nova rodada de crédito barato vai aliviar as pressões de financiamento sobre os bancos espanhóis e italianos e ajudá-los a continuar emprestando para a economia real. Mas isso fará pouca diferença se as empresas italianas não quiserem contrair empréstimos – o principal problema nos últimos meses.
Carsten Brzeski, economista do ING, observa uma falta de confiança parecida entre as empresas alemãs de médio porte mais expostas à desaceleração do comércio mundial – e diz que algumas delas estão quase chegando ao ponto em que começarão a demitir funcionários se não houver um aumento dos pedidos das multinacionais. Essa falta de confiança vai muito além da zona do euro. No Reino Unido, a aproximação do prazo final do Brexit tem levado as empresas e as famílias a adiarem grandes decisões financeiras. O Banco da Inglaterra já alertou várias vezes que somente poderá amenizar o golpe se os políticos decidirem erguer barreiras comerciais que deixariam o país mais pobre.
Laurence Boone, economista-chefe da OCDE, disse que um dos principais motivos do tom pessimista das perspectivas
globais da organização foi o efeito desalentador dos conflitos comerciais sobre os investimentos das empresas, o que
representa “uma mudança prolongada na certeza que as regras multilaterais estavam proporcionando e que não estão
proporcionando mais”.
Lydia Boussour reconhece que mesmo a economia dos Estados Unidos – a principal âncora do crescimento mundial – poderá ficar vulnerável a uma grande desaceleração em seus principais parceiros comerciais.
A postura moderada dos bancos centrais torna uma recessão nos EUA improvável, afirma Boussour, mas se o crescimento mundial cair muito o “elevado grau de incerteza da política global poderá acelerar e amplificar o choque de confiança e levar a retrações severas nos gastos dos consumidores e dos investimentos”.
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