5.abr.2019 às 2h00
O alívio imediato contra a depressão poderá acontecer? Será possível fazer a melancolia e a vontade suicida desaparecerem em um estalo?
A história da terapia antidepressiva foi fundada na década de 1950 quando, acidentalmente, observou-se melhora do humor dos pacientes que recebiam as drogas isoniazida e iproniazida, contra tuberculose . O acaso continuou a operar, e depois foi a vez da imipramina, medicamento fabricado para controlar a esquizofrenia, revelar bons efeitos no humor.
Esse foi o nascimento dos primeiros antidepressivos e da teoria de que a depressão seria a consequência da redução dos neurotransmissores adrenalina e serotonina, pois já se sabia que a então nova classe de remédios aumentava os níveis destas moléculas.
Na década de 1980, outro capítulo se iniciou com o lançamento do Prozac, cujo princípio ativo é a fluoxetina. Droga que se mostrou eficaz contra a depressão e com menos efeitos colaterais do que os antigos antidepressivos, o Prozac aumenta apenas a serotonina, o que provocou modificação na teoria bioquímica da gênese da depressão. Com a adrenalina redimida, o dolo da depressão sobrou para a redução da serotonina. O Prozac foi um sucesso enorme, mas, depois de seu lançamento, nenhuma grande novidade no tratamento antidepressivo surgiu.
Alguns problemas, portanto, continuam sem solução. A ação benéfica dos antidepressivos demora dias para acontecer. Logo, se houver alto risco de suicídio, ele persistirá por esses penosos dias. E mais: alguns pacientes com depressão não melhoram com nenhuma das terapias disponíveis. Tudo isso acontece porque a baixa quantia de serotonina é insuficiente para explicar tudo o que é da depressão.
A esketamina, droga recentemente aprovada pela agência de fármacos e alimentos dos Estados Unidos (FDA), surge como resposta farmacológica a esses problemas. Só que essa novidade não é tão original assim, já que a escetamina deriva da cetamina, anestésico conhecido já na longínqua década de 60.
A cetamina produz um peculiar estado chamado de anestesia dissociativa. Dissociativa quer dizer perda de integração entre processos mentais, como consciência, memória e percepções. Na anestesia dissociativa, os pacientes permanecem acordados e com reflexos preservados, mas incapazes de sentir dor. No entanto, a cetamina pode causar delírios e alucinações, indesejáveis em anestesia, e não raramente outras formas de dissociação, como a despersonalização compreendida como sensação de estar fora do próprio corpo.
Por causas dessas ações não ortodoxas, essa droga passou a ser usada de forma recreativa e ilícita, mas o efeito dissociativo parece se correlacionar com outra propriedade benéfica desse anestésico: a rápida ação antidepressiva e a redução aguda de ideação suicida.
Isso ocorre talvez pela sua ação nas vias neurais do neurotransmissor glutamato, que age mais rápido do que a serotonina. Pesquisas com poucos pacientes demonstraram a eficiência da cetamina. Esses estudos não são suficientes para que a FDA aprove a cetamina como antidepressivo, mas deram suporte teórico para a proliferação de clínicas nos EUA especializadas em infusão de cetamina para combater alguns casos de depressão.
Pesquisas mais robustas vieram, mas só para a esketamina, por isso sua aprovação pelo FDA como antidepressivo. Administrada em borrifadas nasais, ela promete o tratamento rápido de graves sintomas depressivos e também o fim das clinicas de infusão de cetamina. O Spravato, nome comercial deste spray, chega ao mercado com custo mensal de até US$ 6.800, muito mais caro do que a cetamina.
Mas não é só o preço que impede o Spravato de ser um milagre. Sua bula anuncia isso ao afirmar que o medicamento pode sedar e causar problemas com atenção e raciocínio. Também alerta para chances de uso abusivo e, paradoxalmente, para risco de pensamentos suicidas. Ou seja, o combate a depressão continua desafiador.
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