Dependente da importação de remédios, especialmente os biológicos e de alta complexidade tecnológica, o Brasil tem nas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) – cooperação entre laboratórios nacionais (públicos e privados) e estrangeiros – uma estratégia para absorver e desenvolver tecnologia para fabricar estes produtos.
Estima-se que o déficit comercial do setor de saúde, incluindo gastos com royalties de patentes pagos ao exterior, esteja por volta de USS 20 bilhões, dos quais cerca de 70% vêm da área farmacêutica.
De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente existem 93 PDPs vigentes, das quais 81 são para produtos sintéticos e biotecnológicos; cinco para produção de vacinas, uma para fabricação de hemoderivados e seis para outros itens de saúde. No começo de junho de 2019, oito do total das PDPs estavam suspensas, aguardando avaliação quanto à sua reestruturação ou extinção.
O ministério calcula que, entre 2008 e 2018, as PDPs geraram uma economia de R$ 5,2 bilhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Um exemplo destacado é o medicamento Sofosbuvir, para tratamento de hepatite C, que passou de RS 173,36 por unidade em 2016 para R$ 32,87 no ano passado, queda de 81%.
O remédio é fruto de uma parceria entre o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e os laboratórios nacionais Blanver e Microbiológica. Mas o produto gerou uma batalha judicial envolvendo o laboratório americano Gilead, que reivindica a patente.
O Farmanguinhos informou que aguarda a definição do caso para fazer a distribuição ao SUS.
O coordenador das ações de prospecção da Fiocruz e ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, destaca que a saúde mobiliza 35% da pesquisa nacional e é um dos caminhos para o Brasil entrar na quarta revolução industrial. Segundo ele, o setor de saúde brasileiro está gerando riqueza fora do país.
“Não é um déficit de produtos, é um déficit de conhecimento”, salienta. Gadelha defende uma articulação do Estado com o setor produtivo para “uma política de longo prazo, visando constituir uma base tecnológica e produtiva”. É preciso, segundo ele, visão estratégica e mais segurança jurídica e institucional para projetos de PDPs.
“No momento em que tem início uma produção local, o movimento seguinte dos competidores é inviabilizá-la”, afirma Gadelha. Eles deflagram uma guerra de preços, derrubando a PDP para manter o monopólio e, mais adiante, elevam os preços.
Para o coordenador da Fiocruz, as PDPs não são apenas substituições de importações. Devem servir para que o Brasil dispute a fronteira tecnológica, tornando-se de fato inovador na saúde, gerando desenvolvimento, empregos e renda.
Para o ex-ministro da Saúde e pesquisador associado do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz José Gomes Temporão, o programa das PDPs é estratégico para garantir a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar o acesso da população às tecnologias necessárias sem depender das importações.
No entanto, ele não vê sinais claros de como essa estratégia será conduzida pelo governo. Temporão observa que o Ministério da Saúde ainda não tomou uma “decisão concreta” sobre a questão da patente do Sofosbuvir e extinguiu o Departamento do Complexo Industrial da Saúde, que integrava a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE).
Vários resultados de PDPs estão chegando ao SUS. O Farmanguinhos, que participa atualmente de 13 parcerias com indústrias nacionais e internacionais, concluiu, em 2018, a absorção da tecnologia do imunossupressor tacrolimo, fundamental para pacientes submetidos a transplante de rim e fígado.
A tecnologia foi transferida pela empresa brasileira Libbs Farmacêutica e o medicamento agora é totalmente fabricado na unidade do Complexo Tecnológico de Medicamentos (CTM) do Instituto, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
“Fazemos a produção em uma área recém-inaugurada, exclusivamente para produção de medicamentos desta categoria terapêutica”, afirma Jorge Mendonça, diretor do Farmanguinhos.
Outra absorção de tecnologia já concluída pelo Farmanguinhos é a do antirretroviral Duplivir, para pessoas que vivem com HIV/Aids e que reúne, em um único comprimido, dois princípios ativos: Lamivudina+Tenofovir. Viabilizado por uma PDP entre o Instituto e a Blanver, o Duplivir já teve a produção dos lotes-piloto concluída. Assim que Anvisa autorizar, a produção em larga escala pode começar atender as demandas do Ministério da Saúde. “A previsão é de que isso ocorra até agosto”, diz Mendonça.
O Farmanguinhos ainda desenvolve vários outros antivirais e antirretrovirais, um imunossupressor, um antineoplásico e diversos outros medicamentos. “Vale ressaltar que a elaboração das parcerias é baseada na lista de produtos estratégicos para o SUS, definida pelo Ministério da Saúde”, afirma Mendonça.
Outro instituto público que participa de PDPs é o Butantan, de São Paulo. Trabalha atualmente em nove delas: três para vacinas e seis para anticorpos monoclonais, usados em tratamentos de câncer e outras doenças. Os projetos para anticorpos monoclonais têm a Libbs com parceira e prazos de conclusão previstos para 2024, 2027, da Fiocruz: 2028,2029 e 2033. Já no caso das vacinas, há duas de parceiras diferentes trabalhando prazo com o Butantan. A britânica GlaxoSmithKline (GSK) é uma delas na PDP da vacina tríplice acelular dTPa para a prevenção da infecção de difteria, tétano e coqueluche em adolescentes e adultos.
Para os estudos clínicos, a multinacional está entrando com um aporte de US$ 30 milhões, enquanto a Fundação Butantan contribui com R$ 40 milhões. A previsão de conclusão é 2024.
A multinacional Merck (MSD) é parceira do Butantan em outras duas PDPs. Uma delas vai produzir a vacina adsorvida HPV, para a prevenção da infecção do papilomavírus humano tipos 6,11,16 e 18. A conclusão está prevista para 2023. A outra PDP, que também será concluída em 2023, é dedicada à vacina adsorvida hepatite A, inativada, para evitar a infecção do vírus da hepatite A infantil.
Fonte: Valor Econômico – Setorial Saúde.
Jornalista: Simone Golberg