Por Patrícia Pasquini – Folha de S.Paulo
Publicado em 25/10/2019
Enquanto no mundo é anunciada a erradicação da poliomielite selvagem tipo 3 pela Comissão Global Independente para a Certificação da Erradicação da Poliomielite, em Genebra (Suíça), o Brasil continua em alerta vermelho para o risco de nova circulação do vírus da doença.
Segundo o Ministério da Saúde, cem municípios brasileiros estão com coberturas vacinais abaixo de 50% —muito menos do que o ideal, que é de 95%. A situação é preocupante em cidades como Lagoa Salgada (RN), onde só 0,92% do público-alvo foi vacinado.
“Se não eliminarmos a pólio completamente, toda criança corre o risco de contraí-la. Por isso é necessário mantermos as campanhas de vacinação”, afirma Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
O sarampo é o exemplo mais recente de doença que estava controlada ou eliminada e retornou. Devido à baixa cobertura vacinal, o Brasil perdeu o certificado de eliminação do sarampo três anos após recebê-lo, e ainda não conseguiu impedir a circulação do vírus.
Para Weissmann, o mesmo pode acontecer com a paralisia infantil. “Sem vacinação, há o risco real da doença, pois o vírus não deixou de existir”, diz.
A poliomielite ainda não pode ser considerada erradicada no mundo, porque o poliovírus 1 continua em circulação —hoje, restrito ao Paquistão e Afeganistão. O problema é se alguém infectado (não necessariamente doente) viajar ao Brasil e transmiti-lo a uma pessoa sem histórico de imunização, o que pode levar ao início de novos casos.
A doença é contagiosa e pode infectar crianças e adultos, por meio do contato direto com fezes, saliva, água e alimentos contaminados, ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas doentes (gotículas durante a fala, tosse ou espirro).
Os sintomas mais frequentes são febre, mal-estar, dor de garganta, no corpo e de cabeça, vômito, diarreia, rigidez na nuca e até meningite.
A poliomielite não tem cura, mas pode ser prevenida com a vacina, que é gratuita no SUS. Ela é contraindicada apenas a quem teve alergia grave ao tomar uma dose anterior.
O calendário nacional de imunização prevê a aplicação de três doses injetáveis, aos 2, 4 e 6 meses de idade, e dois reforços via oral, aos 15 meses e aos 4 anos.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Infectologia, uma em cada 200 infecções causa paralisia irreversível (geralmente nas pernas). Entre os acometidos pela doença, de 5% a 10% morrem devido à paralisia dos músculos respiratórios.
Segundo especialistas, no Brasil a vacina é vítima do próprio sucesso. “É necessário combater a falsa segurança da população. Por não conhecer ou nunca ter visto a doença, acham que ela não pode voltar. Geralmente, os pais deixam de vacinar porque não veem casos”, afirma Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Outros fatores também podem explicar a baixa cobertura vacinal do país, como a disseminação das fake news, os movimentos antivacina, medo de possíveis reações vacinais e a dificuldade de levar os filhos aos postos de saúde, devido ao reduzido horário de funcionamento.
Cunha alerta também para a complexidade do calendário do país. “Tem o lado bom, que está muito completo, mas não é fácil de ser mantido em dia pelos pais e nem profissionais de saúde. Por isso, é importante capacitar a rede para conhecer bem os diferentes esquemas e o que fazer na falta de vacinas. É difícil levar a informação completa e em tempo adequado às 36 mil salas de vacinas do país.”
O estado de São Paulo ultrapassou a meta de vacinar 95% das crianças na campanha de imunização contra poliomielite de 2018. Foram vacinadas mais de 2,1 milhão de crianças na faixa de 1 a 4 anos, o que corresponde a 98% do público-alvo. No ano de 2017, a cobertura foi de 87,2%; em 2016, 83,8%; e em 2015, de 99,7%.
Em 2019, a pasta afirma que o envio das doses pelo órgão federal para São Paulo tem sido irregular e em quantidades insuficientes, impactando na redistribuição. Em outubro, foram recebidas 280 mil doses entre a oral (VOP) e a injetável (VIP) para o estado. A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre a compra e distribuição da vacina contra a poliomielite, mas não obteve resposta.
Já na capital paulista, neste ano não foi alcançada a meta de imunizar 95% do público-alvo contra a doença. Até o dia 30 de setembro, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo havia aplicado 106.627 doses da vacina contra a poliomielite, o equivalente a 83,97% do público-alvo.
No ano de 2018, a cobertura foi de 93,38%, com 156.203 doses aplicadas. Em 2017, o número de doses aplicadas foi de 149.107, com 84,80% de cobertura vacinal, enquanto 2016 registrou 82,55 % de cobertura, com 145.149 doses.
Os pais ou responsáveis que ainda não vacinaram as crianças podem procurar os postos de saúde da capital paulista. O estoque atual é de 109.500 doses de vacina VOP (oral) e 88.760 da VIP (injetável).
Poliomielite
• Doença contagiosa aguda causada pelo poliovírus. Pode infectar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes, saliva, água e alimentos contaminados, ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas doentes • As paralisias musculares ocorrem nas manifestações graves da doença
Existem 3 tipos de poliovírus selvagem: 1, 2 e 3
No mundo
• 2 e 3 já estão erradicados. O poliovírus 1 ainda não foi erradicado; casos estão concentrados no Paquistão e Afeganistão
No Brasil
• O país obteve o certificado de área livre da circulação do poliovírus selvagem em 1994
• No Brasil, o último caso de infecção pelo poliovírus selvagem ocorreu em 1989, na cidade de Souza (PB)