O termo blockbuster (em português, arrasa-quarteirões) surgiu na língua inglesa, durante a II Guerra Mundial, para designar bombas aéreas potentes o suficiente para causar grandes estragos em áreas urbanas. Mas o termo pegou de vez a partir dos anos 1970, quando uma série de filmes de Hollywood, como Tubarão (1975) e Star Wars (1977), pulverizaram recordes de público e renda, e criaram uma nova tendência no entretenimento. Apostando em filmes de alto orçamento e premissas facilmente vendidas por equipes de marketing, a indústria se reinventou.
Os grandes estúdios, desde então, passaram a investir em poucos e poderosos filmes para garantir a sua lucratividade. Na virada do milênio, uma outra indústria, oposta ao mundo do entretenimento, acreditou nessa forma de fazer negócios. As grandes fabricantes de remédios apostaram em produtos com potencial de atingir grandes populações e colocaram quase que todos os seus ovos nessa cesta. As drogas que vendiam mais de US$ 1 bilhão por ano também começaram a ser chamadas de blockbusters.
A estratégia, no entanto, apresentou um final tão catastrófico quanto um filme de terror: o período conhecido como patent cliff (colina das patentes). A partir da virada para a década de 2010, grande parte desses medicamentos perdeu a proteção intelectual. Entre eles, o Viagra (disfunção erétil) e o Lipitor (colesterol), da Pfizer; o Plavix (doenças cardiológicas), da Bristol-Myers Squibb; o Singulair (asma), da Merck; e o Diovan (pressão alta), da Novartis. E isso apenas entre 2009 e 2012.
O ciclo continua. Segundo pesquisa da Bloomberg Industry Report, por dez anos, a partir de 2016, mais de 150 drogas, responsáveis por mais de US$ 190 bilhões de vendas anuais, perderão suas proteções. Com o fim das patentes, as suas fórmulas podem ser copiadas e vendidas como medicamentos genéricos, forçando o laboratório desenvolvedor a enfrentar a concorrência e a baixar preços. O problema é que não havia alternativas de grande potencial mercadológico chegando ao mercado para substituí-los.
Se o ciclo de produção de um filme costuma levar alguns anos, na indústria farmacêutica, chega a uma década. “Estamos num mercado em que, de cada 10 mil produtos pesquisados, um chega ao mercado, o que não significa que será um blockbuster”, Julio Gay-Ger, presidente da Eli Lilly no Brasil. A saída para as gigantes do setor, então, foi reinventar a indústria. Nos últimos anos, a ordem foi estabelecer um portfólio de pesquisa voltado a especialidades raras e tratamentos complexos, mesmo que atendessem a poucas pessoas.
Alguns campos começaram a chamar mais atenção, como a oncologia, diabetes, doenças autoimunes e problemas do sistema digestivo. Também o foco se voltou, em algumas empresas, como na alemã Merck e na suíça Roche, para medicamentos biológicos, mais complexos e que não podem ter as suas moléculas copiadas sinteticamente em remédios genéricos. “Como não se tratam de doenças simples, o jogo fica cada vez mais caro e arriscado”, diz Antônio Britto, presidente da Interfarma – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. “Para dividir os custos, as empresas passaram a se associar a startups e universidades.”
O mais surpreendente é que essa estratégia está começando a dar origem a alguns frutos inesperados, como novos blockbusters. Em outubro, a americana Eli Lilly lançou no Brasil o Trulicity, terapia injetável para o tratamento de diabetes tipo 2, que representa 90% dos casos e está ligada a fatores ambientais. Com a chegada no mercado local, o medicamento – que já resultou em vendas de US$ 250 milhões nos EUA, Japão e Europa, no último trimestre fiscal – deve superar a receita de US$ 1 bilhão neste ano. Ao superar esse valor, será um blockbuster.
“Depende apenas de como vai ser a aceitação aqui”, diz Gay-Ger. “Mas, o resultado tem sido muito melhor do que a expectativa.” Estima-se que, dos cerca de 415 milhões de diabéticos do mundo, 14 milhões estejam no Brasil, a quarta maior população global de pacientes da doença. A inovação do Trulicity, que vem ajudando no seu rápido sucesso mercadológico, é o fato de sua molécula ser liberada aos poucos no organismo. Então, o paciente pode tomar apenas uma injeção de insulina por semana, em vez das duas vezes por dia do tratamento convencional.
Além da diabetes, estão no foco do laboratório a oncologia, as dores crônicas, as doenças autoimunes e a síndrome de Alzheimer, recebendo o investimento de 25% do faturamento anual de US$ 20 bilhões. E, com isso, a empresa espera afugentar o fantasma do fim das patentes. “Na virada desta década perdemos a patente de cinco medicamentos importantes, incluindo o Cybalta e o Cialis. Podíamos apostar em genéricos, mas escolhemos recuperar a nossa origem de inovações”, afirma Gay-Ger.
“Em 2014, acabou o nosso período da patent cliff e anunciamos 15 produtos.” Agora, a companhia tem uma previsão de 20 lançamentos em 10 anos, dos quais seis já chegaram ao mercado. “Serão de dois a três produtos por ano no Brasil”, diz. Com isso, já em 2016, a Eli Lilly projeta crescimento acima de 10% de sua receita no País. Afugentar o risco também foi a estratégia adotada na Bristol-Myers Squibb. Em entrevista à DINHEIRO, em abril deste ano, Gaetano Crupi, presidente da companhia no Brasil, admitiu que, se lhe dissessem dez anos atrás que iria trabalhar na Bristol-Myers, não acreditaria, porque ela estava no rumo de desaparecer.
A empresa, no entanto, se reinventou e lançou neste ano o Opdivo, que utiliza o próprio sistema imunológico para combater o câncer. O medicamento rendeu à Bristol-Myers US$ 942 milhões, em 2015, quase atingindo a marca de um blockbuster. É um caminho similar ao da Boehringer Ingelheim, que abriu no fim de novembro, no Brasil, uma área de oncologia. A motivação foi o lançamento do Giotrif, medicamento que promete bloquear a multiplicação de células cancerígenas e aumentar em mais de um ano a sobrevida, em relação à quimioterapia, de pacientes com câncer de pulmão.
Outro laboratório que apostou na oncologia para vencer prognósticos difíceis foi a alemã Merck, que se redirecionou para tipos de câncer menos atendidos pela indústria, e para produtos biológicos. A companhia fechou ainda uma parceria com a americana Pfizer, para fazer testes clínicos de remédios biológicos no Brasil. A expectativa é lançar 20 medicamentos no País a partir de 2017. No entanto, nenhuma empresa sofreu uma perda de receita tão grande quanto a Pfizer, a maior farmacêutica do mundo. Por conta do fim das patentes do Lipitor e do Viagra, o faturamento chegou a recuar 10%, há quatro anos.
Para completar, a sua tentativa de aquisição da Allergan, que permitiria a mudança de sua sede para a Irlanda, economizando alguns bilhões de dólares em impostos, foi negada pelo governo americano. Ou seja, o futuro se desenhava complicado. A Pfizer também colocou sua empresa de genéricos no Brasil, a Teuto, à venda, o que mostra que esse segmento deixou de ser atrativo para a empresa. O laboratório optou, também, por comprar empresas com portfólios de inovações, como a Medivation, voltada a tratamentos oncológicos, e a Anacor, de biotecnologia e com um portfólio forte em dermatologia.
Com o movimento, a área de produtos inovadores conseguiu ganhos de 10% nas vendas com marcas como Ibrance, para tratamento do câncer de mama, e com o anticoagulante Eliquis. No último ano, a receita da companhia subiu de US$ 49 bilhões para US$ 51 bilhões. Para 2016, a estimativa é que chegue a US$ 53 bilhões. “Perder patentes faz parte do jogo, mas a crise também nos traz oportunidades para aprimoramento”, diz Victor Mezei, presidente da Pfizer no Brasil. O mercado nacional, segundo o CEO, ainda ajudou.
Por aqui, o crescimento nunca parou – nem mesmo nas marcas em que a exclusividade ficou para trás. Para este ano, é esperado um aumento de 6% nas vendas. No caso do Viagra, por exemplo, a queda da patente impactou nos preços – uma pílula passou a custar R$ 2, ante R$ 15 anteriormente –, mas também popularizou o produto. De acordo com Mezei, apesar de ter perdido uma boa margem, as vendas saltaram 80%. A dependência dos blockbusters acabou, mas a receita com eles ainda ajuda a financiar novos caminhos.
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