Daniela Amorim e José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo
12 Fevereiro 2019 | 04h00
RIO – Depois que a recessão ficou para trás, a recuperação gradual da atividade econômica em 2017 trouxe esperança de dias melhores no setor industrial. Mas 2018 revelou-se como uma sucessão de baldes de água fria. Quatro em cada 10 segmentos da indústria de transformação encerraram o ano em crise, segundo levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) obtido com exclusividade para o Estadão/Broadcast.
Dos 93 subsetores industriais investigados, 37 enfrentavam uma crise de moderada a fulminante, ou seja, 40% dos segmentos industriais acumularam uma queda na produção maior que 1% no ano em relação a 2017. Outros 14 segmentos ficaram estagnados.
O levantamento foi feito com base na Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o Iedi, 2018 trouxe maior fragilidade para a recuperação industrial, com uma desaceleração bastante disseminada entre os segmentos pesquisados.
Segundo Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi, os segmentos que fecharam em queda são muito ligados aos fluxos de renda e à desaceleração do setor industrial como um todo. “Entre os que estão com melhor desempenho, há vários que tinham uma base de comparação muito baixa ou com perfil muito exportador, como fabricantes de papel e celulose, produtos de carnes, caminhões e ônibus, tratores e equipamentos agrícolas.”
Pelo menos cinco dos 37 subsetores em crise em 2018 pertenciam à indústria têxtil. “Os anos de 2015 e 2016 foram uma catástrofe. Em 2017, crescemos. Terminamos o ano numa trajetória positiva, e nosso prognóstico para 2018 era um PIB com crescimento em torno de 3%”, lembrou o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel.
Segundo Pimentel, 2018 ia razoavelmente bem até abril. Em maio, a greve de caminhoneiros começou a mudar o rumo do setor. “Esse quadro foi muito frustrante”, definiu Pimentel.
A greve dos caminhoneiros provocou uma desorganização da produção industrial brasileira, reforçou Bernardo Almeida, analista da Coordenação de Indústria do IBGE. “Além disso, as incertezas eleitorais prejudicaram as decisões tanto de consumo quanto de investimentos.”, enumerou Almeida.
A indústria nacional cresceu 2,3% no primeiro semestre de 2018, em relação ao mesmo período do ano anterior. No segundo semestre, a conjuntura menos favorável se traduziu num freio na produção, houve apenas ligeira alta de 0,1%, de acordo com os dados da Pesquisa Industrial Mensal, do IBGE.
Almeida lembra que a indústria encerrou o ano com avanço de 1,1%, mas ainda sustentada pelo desempenho positivo do início de 2018. “Nós corremos o risco de trocar um processo de recuperação por um processo de banho-maria, de andar de lado”, alertou Rafael Cagnin, do Iedi. “A contar pelo quarto trimestre de 2018, o primeiro trimestre de 2019 vai ser difícil, há um ajuste. Foi um freio muito forte ao longo do ano passado inteiro. O ano de 2019 vai depender muito de quais indicativos que a equipe econômica vai dar. Apesar dos indicadores econômicos mais favoráveis, ainda há incertezas no cenário doméstico”, acrescentou.
As perspectivas para este ano, porém, ainda são otimistas. Em 2019, o mercado externo deve atrapalhar menos a indústria, enquanto a demanda doméstica pode ajudar mais, prevê o superintendente de Estatísticas Públicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Aloisio Campelo.
“O desempenho deve ser melhor do que no ano passado ao longo dos trimestres, mas não será exuberante, até porque a Pesquisa Industrial Mensal traz um carregamento estatístico negativo”, disse Campelo. “No segundo semestre, a indústria pode ganhar um pouco mais de ritmo, dependendo da aprovação das reformas que estão sendo apresentadas pelo governo”, reforçou.
Uma das mais tradicionais confecções de Sorocaba, no interior de São Paulo, a Rota Uniformes está desde 2014 com quase a metade de suas máquinas paradas. “Naquele ano, quando as vendas começaram a despencar, estávamos com 93 funcionários. Hoje, temos 47 e só conseguimos sobreviver porque demitimos no momento certo. Se a gente esperasse mais, talvez não tivesse como pagar os encargos trabalhistas”, diz o empresário João Francisco Guariglia.
O dono da Rota conta que a expectativa era de que a retomada fosse mais rápida, mas a crise se prolongou. “Em 2017, havia expectativa de melhora, mas no setor de confecções ela não ocorreu. Depois de atingir o fundo do poço em 2016, conseguimos estabilizar, mas não houve crescimento em 2017 nem no ano passado.” A queda nas vendas das confecções reduziu a produção e atingiu também as indústrias de tecidos. “Apenas as grandes indústrias têxteis sobreviveram à duras penas”, diz.
Este ano, a Rota espera crescer 5% em produção e vendas. “É uma meta que temos de alcançar para manter o quadro de funcionários e a saúde da empresa. Estamos vivos, mas na UTI. Para voltar ao quarto ainda leva um tempo.” A empresa produz em média 15 mil peças por mês, volume que, no pico da produção, em 2014, era de 25 mil peças. Do total, 40% são uniformes escolares e 60% são vestimentas profissionais.
A Rota trabalha só com tecidos nacionais, em razão da melhor qualidade, segundo Guariglia. Muitos uniformes têm o selo antipilling (bolinhas) e proteção contra raios ultravioletas.
O empresário afirma que um lance de sorte, em 2014, ajudou a empresa a sobreviver. “Numa feira, em Santa Catarina, encontrei uma máquina de corte e enfestadeira automática de R$ 1,1 milhão. Estava quase pegando dinheiro a juros bancários, quando vi uma linha de crédito no BNDES. Foi sacramentar o negócio e, dias depois, a linha foi suspensa. Quem financiou em banco não aguentou”.
Segundo o empresário, se houver retomada rápida, vai faltar mão de obra. “Preciso de costureira e não acho. Como a crise foi longa, quem saiu foi para outra atividade. Procurei um mecânico que trabalhou com a gente, mas agora ele faz transporte escolar. Começou com uma van e está com três, não tem como voltar para o setor.”
A tradição da família Guariglia em confecção começou há 60 anos, quando a mãe de João começou a bordar enxovais para recém-nascidos. Logo ela e o marido montaram uma pequena loja, no centro de Sorocaba, que se transformou na Cirandinha, com foco na confecção de enxovais para batizados. Em 1986, João e seu irmão, ambos engenheiros, começaram a produzir uniformes profissionais. Em 2000, ele deixou a sociedade para fundar a Rota, a maior do segmento na região. “Passamos por muitas situações difíceis, mas nenhuma crise foi tão séria quando esta”.
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