Por: O Estado de S. Paulo
Publicado em 31/07/2020
Tornado público por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), o conteúdo da lamentável reunião ministerial havida em 22 de abril revelou ao País as reais intenções do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para sua pasta. Na ocasião, disse o ministro, em português cristalino: “Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento (relativo à proteção ambiental), simplificando normas”. Pode-se dizer tudo sobre Ricardo Salles, menos que o ministro não pratique o que prega. A boiada passou.
Desde o início da pandemia de covid-19 no Brasil, em março, o ministro Salles fez publicar no Diário Oficial da União 195 atos com o objetivo de tornar menos rigorosas as normas de proteção do meio ambiente no País. Trata-se de um arcabouço regulatório formado por decretos, portarias e instruções normativas, entre outras providências, que se afigura como a materialização do intento revelado por Ricardo Salles, para espanto da Nação, na fatídica reunião ministerial.
Evidente que há um entulho legislativo sobre as questões relativas à proteção ambiental – que vem de anos – que não só pode, como deve ser saneado a fim de modernizar o marco regulatório sobre o tema e compatibilizar desenvolvimento econômico e preservação de biomas, recursos naturais e, especialmente, dos meios de vida dos chamados “povos da floresta”. Outra coisa, muito diferente, é a política do Ministério do Meio Ambiente nesses 19 meses de governo Jair Bolsonaro. Não é uma política de conciliação entre interesses aparentemente distintos, de respeito aos fatos da natureza, à ciência, à vida e ao progresso econômico. É uma política, se assim pode ser chamada, de absoluto descaso com toda e qualquer ação que envolva proteção ambiental – esta uma agenda de “esquerdistas” no obtuso olhar de certos círculos do Executivo federal.
Para o bem do Brasil, que tem sofrido severas admoestações internacionais pela leniência com que o governo de turno tem tratado a exploração predatória do meio ambiente – sem contar os riscos de perdas econômicas em decorrência desse descaso –, a Câmara dos Deputados, sob a liderança de seu presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem se mostrado bastante ciosa de seu papel. Primeiro, por ecoar o interesse nacional e dar andamento a projetos essenciais para o País. Segundo, por servir como uma espécie de anteparo aos danos provocados pela má gestão do governo federal na seara do meio ambiente.
Formou-se na Casa um grupo de deputados com a missão de organizar e fazer tramitar uma série de projetos que tratam de questões relativas ao meio ambiente, a chamada “pauta verde”. São projetos de lei (PLs) considerados maduros para ir a votação em plenário, sobre os quais parece haver consenso. O grupo é formado pelos deputados Alessandro Molon (PSB-RJ), Enrico Misasi (PV-SP), Rodrigo Agostinho (PSB-SP), Zé Silva (Solidariedade-MG) e Zé Vitor (PL-MG).
Entre os projetos, destacam-se o PL 3.961/2020, de autoria do deputado Molon, que cria a Lei de Emergência Climática e Neutralização de Emissões de Carbono. Um dos objetivos do projeto é reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil até 2050. Outros dois projetos que serão tratados na Câmara dos Deputados são os PLs 3.337/2019 e 4.689/2019, de autoria dos deputados Rodrigo Agostinho e Zé Vitor. Tratam do aumento de pena para o desmatamento ilegal. Porém, importa bem mais uma fiscalização efetiva do que o aumento de penas que raramente são impostas aos infratores. O foco deveria ser este, a fiscalização.
A iniciativa do Legislativo vem em boa hora. A imagem do Brasil tem sofrido desgaste inaudito desde que o governo de Jair Bolsonaro passou a tratar do meio ambiente como uma questão menor, quando, na verdade, é uma das agendas mais prementes do mundo. É louvável o esforço da Câmara para tirar o País da condição de pária internacional.
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