A fraca reação da atividade dinamizou mais o varejo do que a indústria, e o descompasso entre oferta e demanda voltou a aumentar em 2018. No fim de 2017, enquanto o comércio comemorou vendas 4% maiores em volume, a produção doméstica cresceu 2,2%. Já nos 12 meses encerrados em dezembro passado, as vendas no varejo avançaram 5%, ritmo mais forte daquele registrado pela indústria, que subiu 1,1%. Os dados consideram o volume de vendas no varejo ampliado, que inclui automóveis e material de construção, e a indústria de transformação, ambos calculados pelo IBGE.
Antes da recessão, o maior descolamento entre o desempenho das vendas e da produção ocorreu entre o final de 2011 e 2012, quando o câmbio valorizado elevou a participação de produtos importados no mercado interno. Em 2015 e 2016, varejo e indústria tiveram recuo parecido, mas, à medida que a economia voltou ao campo positivo, as vendas passaram a correr em ritmo acima da produção, tendência que se aprofundou em 2018.
Ambos os setores desaceleraram no segundo semestre, pondera Nelson Marconi, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV), mas o freio foi maior na indústria. Para ele, a principal influência nessa dinâmica foi o setor automotivo, cujas vendas se mantiveram aquecidas no mercado doméstico, mas as exportações sofreram o baque da crise da Argentina, maior importador de manufaturados brasileiros.
No ano passado, as vendas de bens industriais ao país vizinho diminuíram 17,2%. “Por enquanto, esse descolamento não é muito estrutural”, avalia Marconi, que destaca, ainda, o bom comportamento das vendas de bens essenciais, como alimentos e produtos farmacêuticos, como outra razão para o descompasso.
Diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida discorda. “Isso é pura perda de competitividade de um passado que não resolvemos”, diz Almeida, lembrando que, em 2011, a indústria já pedia ao governo a simplificação tributária e a melhora da infraestrutura que reduzisse custos com logística. “Nada saiu e continuamos no mesmo diapasão.”
Na visão do diretor, a estrutura tributária no Brasil é obsoleta e penaliza mais a produção do que o comércio, o que abre espaço para expansão das importações toda vez que o consumo começa a reagir. Ele destaca que, de acordo com cálculos do Iedi, as compras externas de bens da indústria de transformação tiveram salto de 20,1% entre 2017 e 2018, depois de subirem 9,7% no ano anterior. Ao mesmo tempo, o embarque desses itens aumentou 4,1% no ano passado, ante expansão de 9,2% em 2017.
Nesse ambiente, diz, a indústria precisa de mais do que uma retomada cíclica da economia para acompanhar mais de perto o consumo. A volta de um crescimento industrial de maior fôlego vai exigir e depender de ganhos de produtividade, tanto da mão de obra como de máquinas mais modernas, avalia. “Nosso maquinário industrial é um dos mais velhos do mundo.”
Segundo cálculos de Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, nem varejo nem indústria conseguiram recuperar os níveis pré-crise, mas o segundo setor está mais longe. Em dezembro de 2018, a produção ficou 15,9% abaixo do nível alcançado em janeiro de 2014, e o varejo, 11,6% abaixo. Desde 2014, a indústria de transformação tem mostrado bastante aderência à trajetória do varejo ampliado, mas houve um distanciamento recente a partir de meados do ano passado, diz, tendência que relaciona à crise na Argentina.
“O aumento da disparidade coincidiu com o período de intensificação da crise. O varejo não depende disso”, comentou Nishida, que menciona, ainda, a greve dos caminhoneiros como outro fator que teve impacto mais forte sobre a indústria. Em maio, mês em que a paralisação teve efeito maior sobre a atividade, a produção amargou tombo de 12,3% ante abril, feitos os ajustes sazonais. No varejo ampliado, a retração foi menor, de 4,9%.
“O varejo trabalha com mais estoques e não foi tão afetado como a indústria”, diz. Em 2019, a produção deve crescer mais do que no ano anterior, mas ainda em ritmo mais fraco do que o varejo, afirma Nishida. “Os riscos externos devem fazer com que a indústria tenha variação menor do que o comércio”, aponta o economista, referindo-se ao quadro ainda recessivo na Argentina e à perspectiva de desaceleração nas economias centrais.
Marconi, da FGV, pondera que mesmo o comércio não deve mostrar desempenho muito exuberante neste ano, em meio ao cenário de desemprego e endividamento das famílias ainda elevados. Mesmo assim, diz, a produção industrial deve ter crescimento mais baixo do que as vendas em 2019, devido ao comportamento pífio das exportações.
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