Estudos têm ligado o uso de alguns medicamentos clássicos a efeitos imprevistos e perigosos, como câncer e diabetes.
Drogas como aspirina, hidroclorotiazida (HCT, diurético usado contra hipertensão), estatinas e omeprazol estão na lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial da Saúde.
Por causa do custo relativamente baixo e da ampla base de usuários em todo o mundo, as questões de segurança relacionadas a esses remédios geram interesse e reação de profissionais de saúde e da indústria farmacêutica.
Um estudo dinamarquês recentemente publicado na revista científica Journal of the American Academy of Dermatology mostrou que o uso de hidroclorotiazida está associada à maior incidência de alguns tipos de câncer de pele.
A base de dados era formada por registros obtidos entre entre 2004 e 2012 de de 80 mil pessoas que tiveram câncer e outro 1,5 milhão que não teve a doença.
A conclusão é que, considerando a quantidade de hidroclorotiazida já utilizada ao longo da vida, há uma chance até 29% maior de incidência para carcinoma de célula basal e até três vezes maior para o carcinoma de células escamosas. Os cânceres de pele não melanoma afetam 165 mil pessoas e matam cerca de 2.000 pessoas ao ano no Brasil.
Os achados fizeram acender o sinal amarelo na indústria farmacêutica. Após um alerta emitido pela agência europeia que regula medicamentos, a Novartis conduziu um estudo para avaliar o caso.
“Apesar de haver poucas informações para termos uma conclusão definitiva, dados clínicos e de pós-comercialização sugerem um possível efeito fotossensibilizante”, disse a empresa. As bulas dos remédios já foram alteradas com o novo dado.
Outra fabricante da droga, a Sanofi diz em nota: “No Brasil, trabalhamos com a Anvisa para atualizar todas as bulas dos medicamentos que contêm hidroclorotiazida, incluindo o aviso sobre a associação do uso de longo prazo deste produto com câncer de pele não melanoma. Também seguindo as orientações da Anvisa, a Sanofi enviou uma carta aos profissionais de saúde, em dezembro de 2018, alertando sobre esse risco.”
Esse efeito fotossenbilizante seria responsável por uma menor capacidade da pele de responder a lesões provocadas pela exposição solar, aumentando o risco de tumores.
A faixa de risco mais alta corresponde a mais de dez anos de uso de 25 mg ao dia ou 20 anos de uso de 12,5 mg ao dia.
Segundo o cardiologista Heron Reched, coordenador do serviço de cardiologia do Hospital Leforte, a hidroclorotiazida é um dos recursos mais importantes no tratamento da hipertensão arterial. “Não há como tratar alguns tipos da doença sem ela. A minha orientação é continuar usando e minimizar a exposição ao ultravioleta, especialmente para quem tem pele mais clara.”
Sun Rei Dim, diretora de farmacovigilância da farmacêutica MSD, que também produz a hidroclorotiazida, afirma que a bula dos medicamentos da companhia será atualizada.
Recomendado para o tratamento de úlceras e esofagites, o omeprazol foi ligado a uma maior chance de aparecimento de câncer gástrico, segundo um estudo com dados de 63 mil pessoas em Hong Kong e publicado no periódico Stomach.
Maria Augusta Bernardini, diretora médica da AstraZeneca, que fabrica medicamentos que contêm omeprazol, afirma que ainda não é clara a relação de causalidade e que é muito difícil isolar os fatores de confusão dessa análise, como a presença de infecção por Helicobacter pylori, que se aloja no estômago. Muitos pacientes fazem uso prolongado do remédio e fora da prescrição médica, o que poderia mascarar lesões que precedem o câncer.
No momento, a AstraZeneca ainda estuda se deve haver modificação da bula e diz que implementa iniciativas de educação médica, em parceria com sociedades científicas, a fim de disseminar as melhores práticas possíveis.
Um caso mais curioso é o da aspirina, nome pelo qual se popularizou o ácido acetilsalicílico. A droga, além de ser usada para tratar dor, febre e inflamação, também ajuda a frear a coagulação do sangue, evitando a reincidência de acidentes cardiovasculares.
O uso preventivo crônico em idosos de uma formulação do remédio, porém, já foi associado ao aumento de mortes por câncer num estudo no New England Journal of Medicine. Por outro lado, explica o oncologista Fernando Maluf, da BP (Beneficência Portuguesa), a aspirina pode diminuir o aparecimento de pólipos no intestino (estrutura precursora de tumores) e melhorar o prognóstico de pacientes que tiveram tumores de cabeça e pescoço.
“Mas não indico aspirina ou estatina só pela possibilidade de melhora do prognóstico oncológico. Não muda a conduta médica”, diz.
“Não adianta tomar a aspirina sem ter doença estabelecida. Aí ela passa a ser maléfica, com mais chance de sangramento, por exemplo. Mas para quem já teve AVC isquêmico, doença coronária ou doença vascular periférica, caso de diabéticos, ela é efetiva na redução de desfechos como AVC, amputação de membro e morte”, diz Rached.
A Bayer, fabricante do medicamento, afirma que o produto é seguro e que “os pacientes que já têm a prescrição/recomendação do uso do medicamento em baixa dose devem consultar seu médico se tiverem dúvidas. Não é recomendado iniciar, parar ou modificar seu regime de Aspirina Prevent sem primeiro consultar um profissional de saúde.”
A estatina, por sua vez, gera um aumento das taxas de glicose no sangue, o que está intimamente relacionado ao surgimento de diabetes. Curiosamente, pessoas com diabetes são especialmente afetadas por acidentes cardiovasculares, justamente os eventos a serem evitados com o uso de estatinas, que reduzem os níveis de LDL no sangue (colesterol ruim).
Segundo a Pfizer, que desenvolveu e comercializa a atorvastatina, todos os diferentes tipos de estatinas estão associados a um pequeno risco potencial de aumento da glicemia e seus benefícios superam esse risco, segundo as diretrizes da FDA.
“As evidências científicas mais recentes apontam que o acréscimo no risco de diabetes se dá especialmente em pacientes tratados com estatinas que já apresentavam fatores de risco para a doença, como obesidade, sedentarismo, tabagismo e histórico familiar, o que reforça a importância da prescrição e do acompanhamento médico individualizado durante todo o tratamento”, afirma empresa em nota.
“Eu não costumo indicar estatinas para a prevenção primária, para aqueles que nunca tiveram evento cardiovascular; só em casos mais graves, como hipercolesterolemia familiar. Para quem já teve algum evento, não há controvérsia sobre os benefícios.”, afirma Rodrigo Bandeira Lima, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. A posição está de acordo diretrizes da OMS, embora seja contestada por sociedades de cardiologia.
Segundo Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, ainda são poucos os estudos duplo-cego, randomizados e controlados, considerados padrão-ouro da evidência científica médica. Segundo ele, os estudos observacionais que geralmente vêm à tona são insuficientes para sugerir mudanças importantes na conduta clínica. “Uma coisa que a gente aprende é que se um remédio não faz nenhum mal, provavelmente ele também não faz bem”, diz.
“A gente sabe que existem efeitos colaterais, mas muitas vezes essas notícias ganham destaque desproporcional. O risco de ter uma complicação pode até ser estatisticamente significante, mas não significante do ponto de vista clínico”, afirma o Luis Correia, médico e coordenador do Centro de Medicina Baseada em Evidências da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
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