24.fev.2019 às 2h03
Antes de buscar vacinas e novos tratamentos para as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, é preciso entender quantas pessoas são afetadas, como elas e os mosquitos transmitem as doenças para as outras e, no fim das contas, qual é o tamanho da encrenca —e se os recursos disponíveis são capazes de ajudar a reverter o quadro.
Pesquisadores estão usando modelos matemáticos para encontrar essas respostas.
Um desses exemplos é a produção de uma modelagem matemática para entender a dinâmica da zika na Polinésia Francesa, onde um grande surto entre 2013 e 2014 chegou a afetar 82% da população em algumas regiões do território.
A conclusão, publicada na revista científica Plos Neglected Tropical Diseases, é que levaria entre 12 e 20 anos para que houvesse um número de indivíduos suscetíveis grande o suficiente
para permitir um novo espalhamento da doença.
Nessa modelagem não foi considerada, por exemplo, a possibilidade de transmissão sexual da doença, que, apesar de pequena em comparação à transmissão via mosquito, não é negligenciável e pode piorar o surto e atrasar seu término. Daí surge a necessidade de providências, como o estímulo ao uso de preservativos e o diagnóstico acurado de casos suspeitos.
Outro estudo, publicado na revista Scientific Reports pelo matemático Sérgio Oliva, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, e colegas do Canadá e da China sugere mudanças numa estratégia que usa mosquitos modificados com uma bactéria.
Eles avaliaram que a tática de usar mosquitos com a bactéria Wolbachiapara reduzir o espalhamento de infecções pode ficar ainda mais eficaz.
A bactéria é inserida em laboratório nos Aedes porque tem a capacidade de atrapalhar a reprodução ao agir em seus ovários e testículos. Além disso, os insetos que carregam Wolbachia também se infectam menos e transmitem menos o vírus da dengue.
A estratégia é a aposta de uma iniciativa australiana que tem parceiros pelo mundo, como a Fiocruz do Rio, que testa os Aedes com a bactéria em Niterói.
Se uma fêmea com Wolbachiaencontra um macho na natureza, os ovos produzidos também carregarão Wolbachia.
Mas, se um macho com Wolbachia encontra uma fêmea na natureza, os ovos simplesmente não nascem.
A mudança proposta por Oliva e colaboradores, baseados em um modelo matemático da propagação de zika, é restringir a soltura de mosquitos apenas aos machos. No caso da liberação conjunta de machos e fêmeas, eventualmente seria possível atingir a meta de que todos os insetos no local adquiram a bactéria, mas só a liberação de um grande número de machos teria potencial para acabar de vez com o mosquito.
Em seu trabalho, os pesquisadores, com dados disponíveis do surto dezika em 2016, concluíram que seria possível reduzir o pico de casos, que chegou a 16 mil em uma semana, para 12 mil, ao liberar machos e fêmeas com Wolbachia e para 10,6 mil usando apenas os machos. Isso considerando apenas a liberação durante o próprio surto, como uma espécie de medida de emergência.
No caso de uma proposta de erradicação, a proporção de machos com Wolbachia liberados deveria ser cinco vezes aquela de machos selvagens —tarefa que pode ter uma logística complicada, já que não é trivial separar larvas machos e fêmeas.
A alternativa proposta por Oliva e colaboradores ainda não é considerada pelo projeto da Wolbachia, que afirma ter como objetivo principal bloquear a transmissão viral, não eliminar os mosquitos.
Um fator que atrapalha a construção de modelos matemáticos mais fidedignos é a indisponibilidade de dados. Não se sabe no Brasil quantas pessoas já tiveram cada um dos quatro tipos de dengue e, mesmo assim, os casos da doença são muito heterogêneos —vários são assintomáticos, ou seja, a pessoa nem sabe que foi infectada. Além disso, a maior parte dos casos leves nem é oficialmente reportada, lembra Oliva.
Também dificulta não saber quantos mosquitos existem por aí. O uso de armadilhas pode ajudar na estimativa, mas não existe um esforço sistematizado nesse sentido.
Antes de se aventurar pela área da epidemiologia, Oliva trabalhava com os chamados modelos de reação-difusão, que explicam, entre outras coisas, o surgimento de padrões, como as manchas na pele de animais, como na onça-pintada, um dos temas ao qual se dedicou o matemático britânico Alan Turing.
A primeira dificuldade para entrar em uma nova área é a linguagem, explica Oliva. “Não tinha ideia do que as pessoas falavam, o que era incidência, prevalência”, diz. Incidência é quantidade de novos casos de uma doença em um determinado período; prevalência é fração de uma determinada população que tem a doença.
Além disso, para bolar um modelo de espalhamento de doenças é importante ter (ou estimar) a probabilidade de uma pessoa infectada passar a doença para outras. O mesmo raciocínio vale para a probabilidade de um mosquito fêmea se infectar enquanto caça humanos, por exemplo.
“Demora até entender quais perguntas são razoáveis. É muito fácil não fazer nada de relevante quando atuamos na intersecção de duas áreas [epidemiologia e matemática, no caso]. É muito fácil ficar no meio do caminho, em questões que não são relevantes nem na matemática nem na aplicação propriamente dita.”
Há um grande risco de o modelo matemático desenvolvido ser um profeta do passado, ou seja, explicar muito bem o que já aconteceu e não ser útil para previsões. O sucesso, afirma Oliva, depende da colaboração de indivíduos com formações distintas.
Uma das apostas da área é o chamado modelo baseado em agente. Funciona como uma espécie de SimCity (jogo em que o objetivo é gerenciar uma cidade) epidemiológico. No programa, planeja-se o comportamento de cada indivíduo —se ele vai à escola, se viaja, quem encontra…
“Requer o trabalho de imaginar tudo o que pode acontecer, é quase um trabalho para Deus”, brinca Oliva.
Com uma base de milhões de indivíduos, cada um com seu comportamento, é necessário um grande poder computacional para rodar esses modelos. Eles são interessantes, já que consideram a dinâmica espacial das pessoas e viagens de avião, entre outros comportamentos, mas a sofisticação vem com um preço: é desafiador fazer previsões consistentes com a realidade.
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