Fonte: Folha de S. Paulo
Publicado em 25 de agosto de 2020
Sandro J. de Souza
Professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Eduardo Emrich Soares
Presidente da Biominas Brasil
A pandemia de Covid-19 tem mostrado a importância de uma infraestrutura estabelecida de C&T (ciência e tecnologia) no país, salientando não só a necessidade de cientistas habilitados, mas também de um ambiente dinâmico de transferência de tecnologias das universidades para o setor empresarial.
Embora tenhamos tido nos últimos meses vários casos de sucesso como, por exemplo, o sequenciamento do genoma do Sars-CoV-2 em pacientes brasileiros, a pandemia também mostrou carências críticas que afligem o cenário de C&T no país há décadas.
Uma delas refere-se à aquisição de insumos biotecnológicos no país. Embora atraiam mais atenção as notícias sobre a falta de insumos médicos básicos, como luvas e máscaras, há também o mercado de insumos para pesquisas básicas e aplicadas. Por exemplo, esta Folha noticiou que o Ministério da Saúde tem quase 10 milhões de testes para Covid-19 parados por falta de insumos para as reações de PCR, principal tecnologia usada nos testes de diagnóstico.
Quase todos esses insumos são importados e isso traz duas constatações importantes. A primeira é a dificuldade de se importar insumos para pesquisa, apesar dos inúmeros programas governamentais estabelecidos com o objetivo de facilitar esse processo. Pergunte a qualquer cientista brasileiro e terá uma aula sobre a burocracia das importações de insumos. Mesmo em um momento crítico no país com milhões de vidas em risco, não conseguimos nos livrar da nossa vocação burocrática.
O outro ponto a ser considerado, e o mais crítico, é a falta de uma indústria local capaz de abastecer o mercado nacional. Embora tenhamos tido ao longo dos anos vários projetos e startups com tal finalidade, as mesmas não encontraram no país as condições para crescerem e se estabelecerem de forma definitiva. Hoje, elas fazem falta. Vale destacar que a tecnologia para a produção desses insumos é completamente dominada em universidades e centros de pesquisas brasileiros. Como mudamos isso? A resposta é certamente complexa, mas o problema precisa ser encarado de forma honesta e objetiva (e, principalmente, sem qualquer viés ideológico).
O Brasil parece ser o país do copo meio cheio, meio vazio. Temos um enorme potencial e um custo Brasil em quase tudo. Parece que temos o mais difícil, mas erramos nos mecanismos para que esse potencial vire realidade. O cenário de biotecnologia não é diferente. Temos muitas ilhas de excelência em diferentes setores da bioeconomia, mas nos faltam os mecanismos e a cultura para darmos aquele último passo e nos transformarmos no país inovador que sonhamos.
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