“Acreditamos que será possível oferecer, dentro de um ano, uma cura completa para o câncer.” A afirmação, feita por Dan Aridor, presidente do conselho de uma pequena empresa de biotecnologia de Israel, correu o mundo nos últimos dias, como seria de esperar.
Em entrevista ao jornal Jerusalem Post, Aridor e seu colega Ilan Morad declararam ainda que sua estratégia anticâncer teria poucos efeitos colaterais e seria personalizada, com capacidade de afetar todos os tipos de tumor. Por enquanto, porém, não há nenhuma boa razão para acreditar numa revolução no tratamento da doença, dizem especialistas ouvidos pela Folha e associações médicas dos EUA e do Reino Unido.
Segundo eles, as informações fornecidas até agora pela empresa israelense são vagas demais, muito prematuras ou simplesmente enganosas, subestimando a complexidade de tratar uma doença multifacetada como o câncer.
“Vamos imaginar que a estratégia deles seja de fato muito boa, muito promissora. Mas eles mesmos admitiram que só a testaram até agora in vitro [com culturas de células] e com camundongos. Só com base nesses resultados, eles nunca poderiam dizer que é uma possível cura”, resume Kenneth Gollob, pesquisador do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. “Menos de 1% das estratégias anticâncer testadas em animais avançam na direção de protocolos clínicos [testes em seres humanos]”, diz Eugenia Costanzi-Strauss, do Laboratório de Terapia Gênica da USP.
A tecnologia desenvolvida pela empresa Aebi (sigla inglesa de “Biotecnologias de Evolução Acelerada”), segundo a reportagem do Jerusalem Post, atuaria em múltiplas frentes. Batizada de MuTaTo (“toxina multialvo” —a sigla rima com “potato”, ou “batata”, em inglês), ela tomaria partido, por um lado, de um conjunto de pequenas moléculas projetadas para se conectar de modo específico a receptores —essencialmente, fechaduras químicas— produzidos apenas por células cancerosas. O ataque miraria três receptores diferentes ao mesmo tempo.
Isso ajudaria a evitar efeitos colaterais, uma vez que só células alteradas pelo câncer virariam alvo dessas moléculas, e minimizaria a chance de que mutações no DNA do tumor levassem ao aparecimento da resistência à nova droga, um problema que é comum no caso de muitos medicamentos atuais. O golpe de misericórdia no tumor seria dado por uma toxina potente acoplada ao conjunto.
Embora ainda não tenham publicado seus resultados em periódicos científicos com revisão por pares —nos quais outros pesquisadores ajudam a avaliar a importância de um estudo antes de ele ser divulgado—, os pesquisadores da Aebi dizem que seu trabalho tem sido aplaudido em conferências internacionais.
“Sobre a palavra ‘cura’, não me arrependo de tê-la usado nem por um segundo, porque é exatamente o que seria”, declarou Ilan Morad à Folha por e-mail. “Nas entrevistas, enfatizei repetidamente que os primeiros pacientes curados seriam os dos testes clínicos, e que leva pelo menos uma década antes que haja uma droga aprovada [pelas agências regulatórias]. Também enfatizei que se trata de medicina personalizada e que desenvolveremos MuTaTos para cada tipo de câncer de maneira gradual, de modo que a cobertura de todos os cânceres levaria alguns anos.”
Acusado de criar falsas esperanças nos pacientes, Morad diz que cruéis são os críticos de seu trabalho por tentar calá-lo e impedir uma possível cura. “Acredite, sei do que estou falando. Minha mãe morreu de câncer.”
“O problema é que, sem publicar os resultados, desse jeito genérico, a solução proposta por eles vira uma caixa-preta”, analisa Gollob. “Fica difícil até opinar.” Em princípio, a estratégia de atacar múltiplos alvos nas células tumorais faz sentido como método para evitar que alguns componentes do câncer escapem da terapia e voltem a se multiplicar, diz ele.
Por outro lado, além das diferenças que existem entre as dezenas de tipos de câncer existentes, é comum que, dentro de cada tumor, exista um conjunto heterogêneo de células, com características genéticas distintas entre si. Tudo isso faz com que seja improvável uma solução única para todos os tipos de câncer.
“À primeira vista, esse tipo de notícia pode ter o objetivo de promover a empresa e, quem sabe, fazer com que uma Big Pharma [grande empresa farmacêutica] se interesse por ela e a compre. Essa é uma das principais metas das empresas de biotecnologia emergentes, porque elas dificilmente vão ter como executar a fase dos estudos clínicos [muito complexa e cara]”, diz Costanzi-Strauss.
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